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Convivendo com os leilões de arte

João Carlos Lopes dos Santos

O mercado é como a natureza: quando agredido, não se defende. Ele apenas se vinga.”
William Arthur Lewis (1915-1991) economista britânico.
Prêmio Nobel de Economia – 1979.

O que realmente representa o leilão de arte

Os leilões funcionam como um termômetro do mercado. Da mesma forma que eles promovem o artista – porque não deixam de ser uma vitrine, uma mídia, uma forma de divulgação –, podem aviltar a sua obra. Como em tudo, haverá sempre o lado positivo e negativo. No caso, nem é necessário lembrar os procedimentos éticos, já que esses têm de estar presente em todos os nossos atos.

 

Quando um bem pode se tornar um mal

Comer faz mal à saúde? Logicamente que não, pelo contrário, ninguém pode viver sem se alimentar. Porém, a comida, quando mal escolhida, torna-se imprópria para quem a pediu e mesmo que esteja correta, se em excesso, pode levar o incauto lentamente à morte. Decerto, que os culpados não serão os donos de restaurante ou os cozinheiros. Não é ilegal ou proibido vender feijoada, rabada, frituras, pizzas, doces, etc. O problema não é de quem vende, mas sim de quem escolhe o que vai comer…

Como se vê, há que se ter juízo e ponderar sobre todos os nossos atos. Torna-se um imperativo comer corretamente, porque, se assim não for, até o alimento, a médio e longo prazo, se transformará num veneno. Portanto, não me venham falar de falta de ética, por parte dos cozinheiros: eles não exigem receita médica para entregar os pratos que elaboram. Cada pessoa deve saber escolher e dosar aquilo que vai comer.

 

Aplicando a analogia aos leilões de arte

O sucesso ou insucesso do artista plástico – inclusive nos leilões de arte – só depende de como o artista conduz o seu mercado. Aquele que respeita o seu trabalho também merecerá o respeito de todos.

Sempre aconselho que todos ajam dentro das normas impostas pelo próprio mercado. O mercado protege ou pune. É o mercado que escolhe e mantém os melhores. Procure sempre estar entre eles.

Tenha sempre presente esta verdade: o artista que administra corretamente sua obra, não tem medo do refluxo de seus trabalhos e, por via de consequência, até acha leilão de arte uma forma de venda bem interessante.

 

O refluxo das obras vendidas

O refluxo das obras vendidas é um dos mais graves problemas de mercado que os artistas têm para administrar e devem fazê-lo com muito cuidado. Entende-se como refluxo o retorno ao mercado das obras de arte vendidas anteriormente.

De vez em quando acontecem crises financeiras, cujos efeitos se fazem sentir em determinados setores da economia, prejudicando uns e favorecendo outros. É nessa gangorra financeira, quase sempre ocasionada por planos econômicos, que o dinheiro costuma mudar de mãos e aí se torna muito comum o refluxo das obras de arte, que acaba se cristalizando nos leilões de arte.

Ninguém tem culpa de nada. Alguém comprou a obra de arte, muitas vezes pagando um bom preço por ela, e precisa vendê-la.

Pergunto: os marchands, galeristas e artistas podem recomprar tudo aquilo que venderam? Com raríssimas exceções, obviamente que não podem.

O leilão, então, se torna a via inevitável para a solução do problema.

 

Os males causados pelo refluxo

O refluxo funciona como um concorrente do próprio artista. Com ele, o ateliê deixa de ser a única fonte para aquisição por parte dos profissionais de mercado de arte, fazendo com que o artista perca o controle da distribuição de suas obras, possibilitando que estas caiam, também, em mãos indesejadas.

Conforme a intensidade, o refluxo pode ocasionar uma espécie de dumping, isto é, a venda dos trabalhos no mercado por preços abaixo daqueles que o artista vende no ateliê a marchands e galeristas.

Esse efeito indesejado, em alguns casos, pode desencadear um processo psicológico coletivo de banalização da obra do artista, trazendo como consequência o aviltamento gradativo dos preços praticados.

 

A influência do marchand no equilíbrio do mercado

O controle eficiente desse refluxo começa na correta distribuição dos trabalhos. Falo muito disso no Manual do Mercado de Arte. Há alguns procedimentos que podem atenuar os efeitos do refluxo sobre o conjunto da obra de um artista. Um deles é vender apenas a marchands e galeristas de reconhecida idoneidade, que comprovadamente tenham tradição de comercializar obras de arte dentro dos critérios éticos do mercado.

Escolha um profissional para ser o seu representante comercial em cada uma das Capitais dos Estados. A cada um deles caberá, com exclusividade no mercado em que atua, a obrigação de vigiar e proteger sua obra. Dê preferência à proteção autônoma, desligada da venda.

 

Estratégia na colocação de obras de arte

Outro cuidado a se tomar, decerto, é evitar a concentração de muitas obras em poucas mãos. É mais comum do que se pensa um colecionador ou um marchand ter uma grande quantidade de obras de um mesmo artista, criando uma possibilidade oculta de instabilidade. Por que evitar essa concentração? Porque, de uma hora para outra, o detentor de tantas obras poderá passar por uma dificuldade financeira e sair vendendo as obras, em curto espaço de tempo, sem o critério e os cuidados necessários, aviltando os preços pelo excesso de oferta. Pode acontecer também que o proprietário do lote venha a falecer ou se separar judicialmente, originando a venda de seu patrimônio.

Se a proprietária de uma grande quantidade de obras for uma empresa, poderá, por exemplo, sofrer um processo de liquidação dos seus ativos que poderão ser vendidos em leilão judicial.

Entre outros, esses são os imprevistos que costumam ocasionar instabilidade de preços, com prejuízos também para as novas criações, se às voltas com um mercado momentaneamente saturado.

 

Regulando o mercado, os resultados virão

Em resumo: se a obtenção do trabalho no ateliê for difícil, se poucos tiverem acesso a ele e se o conjunto da obra estiver bem distribuído, os marchands irão disputar o refluxo com os particulares nos leilões de arte, que é onde esse fenômeno se cristalizará. Como resultado, teremos o enxugamento do mercado do artista, aumento de sua liquidez e, por via de consequência, a valorização proporcional dos trabalhos.

 

Leilões ajudam ou atrapalham?

A verdade é que artistas não gostam nem de ouvir falar em leilões de arte. Contudo, é lá que as pinturas das fases anteriores vão parar. Será lá onde o quadro-problema acabará reaparecendo… Nos leilões de arte é comum se ouvir dos artistas presentes, diante de tal circunstância: “Meu Deus, eu pintei isso?”.

 

Transformando os leilões num aliado

Todas as coisas ruins da vida têm o seu lado bom; é só ter a sabedoria para administrá-lo. Logo, também é possível transformar o leilão de arte num aliado do artista.

Como fazê-lo? A fórmula é simples. Quase sempre, as pinturas que vão a leilão não são, por este ou aquele motivo, as melhores do artista e nem, tampouco, as adequadamente emolduradas. Elas precisam, pois, ser contrabalançadas com outras, mais recentes e que representem um melhor momento do artista. De tempos em tempos, o artista poderá providenciar uma excelente obra e consigná-la num tradicional leilão de arte. Esse procedimento é correto em todos os sentidos. O leilão, quando bem usado, sempre será uma excelente vitrine.

Contudo, faça esse procedimento sempre por intermédio de um marchand. Cuide apenas da parte artística e deixe a parte comercial para quem está acostumado a cuidar dela.

 

Uma boa caipirinha não se faz sem limão

Percebe, agora, como um leilão de arte pode ser uma mídia bem interessante? Tudo na vida é como um limão. Você nunca viu ninguém mordê-lo como se fosse uma maçã, ao contrário, administrado com açúcar, gelo e aguardente vira uma caipirinha, fórmula brasileira fantástica, reconhecida internacionalmente como um néctar.